Pintores portugueses = José de Almada Negreiros
Pintura, Desenho, Tapeçaria e Poesia
Auto-Retrato - José de Almada Negreiros
José de Almada Negreiros
artista multimédia
José de Almada Negreiros nasceu em São Tomé e Príncipe em 1893, morrendo em Lisboa em 1970. Dele saíram quase todas as formas por que se pode expressar a arte, ou terá sido, como já lhe chamaram, artista multimédia antes do seu tempo.
The nap, José de Almada Negreiros, 1939 (A sesta)
Ao lado de nomes como o de Mário de Sá-Carneiro e de Fernando Pessoa, Almada marca indelevelmente a evolução da cultura contemporânea portuguesa ao nível plástico e literário. Centremo-nos apenas na produção literária, assumindo que para Almada tudo o que redunde em espetáculo, interessa.
The fisherman, tapestry José de Almada Negreiros • ? (Pescador, Tapeçaria)
Em 1914 publica o primeiro poema, mas é em 1915, com a publicação do texto “Frizos” no número 1 da revista literária “Orpheu”, que a base da postura iconoclasta é lançada, vindo a cristalizar-se num dos principais representantes da vertente vanguardista do movimento modernista. Escreve, em 1915, “A Cena do Ódio”. Mais tarde, o “Manifesto Anti-Dantas”- exemplar na investida contra uma intelectualidade passadista, convencional e burguesa – e “Litoral”, ambos de 1916, “A Engomadeira” e “K4 O Quadrado Azul”, publicados em 1917. Este é também o ano da 1.ª Conferência Futurista e de “Portugal Futurista”, que organiza com Santa-Rita Pintor, e altura da assunção plena do rótulo de futurista, numa provocação ao passadismo e como representação da modernidade. Em “Portugal Futurista”, revista de número único e associada à Conferência, publica os textos “Mima Fataxa” e “Saltimbancos”.
Figurines for Cunha Taylors, José de Almada Negreiros, 1913
Em Paris (1919 e 1920), desenvolve a poética da ingenuidade e publica, já de volta a Lisboa e no âmbito da sua terceira exposição individual no Teatro de S. Carlos, “A Invenção do Dia Claro” (1921). Nesta década de 20 publica “Arlequim” e “Pierrot” (1924) e começa a escrever “Nome de Guerra” (1925); mantém colaborações com as revistas “Contemporânea”, “Athena” e “Presença”, no “Sempre Fixe” e no “Diário de Lisboa”; a produção de outros tipos de manifestação artística, entre eles a pintura, soma-se à literária, mas acaba por constatar que “é viver o que é impossível em Portugal” (1926).
Family José de Almada Negreiros • 1940 (Família)
Parte para Madrid em 1927 e aí fica até 1932, em contacto direto e produtivo com a cena artística madrilena. Regressado a Portugal, encara esperançoso a relação entre poderes públicos e a individualidade artística. O casamento com a pintora Sarah Affonso traz-lhe estabilidade emocional e também financeira, assegurando-lhe a rota para a consagração através de vários prémios e distinções enquanto pintor. Como autor, publica “Nome de Guerra” (1938). Enquanto ensaísta, teórico de arte, publica “Ver “(1943), “Mito-Alegoria-Símbolo” (1948) e “A Chave Diz: Faltam Duas Tábuas e Meia no Todo da Obra de Nuno Gonçalves” (1950).
Portrait of Fernando Pessoa, José de Almada Negreiros • 1954 (Retrato de Fernando Pessoa)
Almada morre no Hospital de S. Luís dos Franceses, em Lisboa, no mesmo quarto onde lhe morrera o amigo Fernando Pessoa, o único que havia tido o privilégio de ir ao seu casamento.
Acrobats José de Almada Negreiros • 1947
Créditos:
Fonte: https://ensina.rtp.pt/artigo/jose-de-almada-negreiros/
Fotos: https://www.wikiart.org/pt/jose-de-almada-negreiros / Family José de Almada Negreiros • 1940 / The fisherman, tapestry José de Almada Negreiros • ? / Portrait of Fernando Pessoa José de Almada Negreiros • 1954 / The nap José de Almada Negreiros • 1939 / Figurines for Cunha Taylors José de Almada Negreiros • 1913 / Acrobats José de Almada Negreiros • 1947
Poesia de Almada Negreiros
Almada Negreiros e Sarah Affonso
Momento de Poesia
Se me ponho a trabalhar
e escrevo ou desenho,
logo me sinto tão atrasado
no que devo à eternidade,
que começo a empurrar pra diante o tempo
e empurro-o, empurro-o à bruta
como empurra um atrasado,
até que cansado me julgo satisfeito;
e o efeito da fadiga
é muito igual à ilusão da satisfação!
Em troca, se vou passear por aí
sou tão inteligente a ver tudo o que não é comigo,
compreendo tão bem o que não me diz respeito,
sinto-me tão chefe do que é fora de mim,
dou conselhos tão bíblicos aos aflitos
de uma aflição que não é minha,
dou-me tão perfeitamente conta do que
se passa fora das minhas muralhas
como sou cego ao ler-me ao espelho,
que, sinceramente não sei qual
seja melhor,
se estar sozinho em casa a dar à manivela do mundo,
se ir por aí a ser o rei invisível de tudo o que não é meu.
Almada Negreiros, Escrito em 14 de Dezembro de 1941.
Luís, o Poeta, Salva a Nado o Poema
Era uma vez
um português
de Portugal.
O nome Luís
há-de bastar
toda a nação
ouviu falar.
Estala a guerra
e Portugal
chama Luís
para embarcar.
Na guerra andou
a guerrear
e perde um olho
por Portugal.
Livre da morte
pôs-se a contar
o que sabia
de Portugal.
Dias e dias
grande pensar
juntou Luís
a recordar.
Ficou um livro
ao terminar.
muito importante
para estudar:
Ia num barco
ia no mar
e a tormenta
vá d’estalar.
Mais do que a vida
há-de guardar
o barco a pique
Luís a nadar.
Fora da água
um braço no ar
na mão o livro
há-de salvar.
Nada que nada
sempre a nadar
livro perdido
no alto mar.
– Mar ignorante
que queres roubar?
a minha vida
ou este cantar?
A vida é minha
ta posso dar
mas este livro
há-de ficar.
Estas palavras
hão-de durar
por minha vida
quero jurar.
Tira-me as forças
podes matar
a minha alma
sabe voar.
Sou português
de Portugal
depois de morto
não vou mudar.
Sou português
de Portugal
acaba a vida
e sigo igual.
Meu corpo é Terra
de Portugal
e morto é ilha
no alto mar.
Há portugueses
a navegar
por sobre as ondas
me hão-de achar.
A vida morta
aqui a boiar
mas não o livro
se há-de molhar.
Estas palavras
vão alegrar
a minha gente
de um só pensar.
À nossa terra
irão parar
lá toda a gente
há-de gostar.
Só uma coisa
vão olvidar
o seu autor
aqui a nadar.
É fado nosso
é nacional
não há portugueses
há Portugal.
Saudades tenho
mil e sem par
saudade é vida
sem se lograr.
A minha vida
vai acabar
mas estes versos
hão-de gravar.
O livro é este
é este o canto
assim se pensa
em Portugal.
Depois de pronto
faltava dar
a minha vida
para o salvar.
Escrito em Madrid (Dezembro de 1931)
Publicado no Diário de Lisboa em 1931
Disponível em Project Gutenberg *
Créditos:
Fonte: https://textosdepoesia.wordpress.com/category/almada-negreiros/
Fotos: https://www.publico.pt/2021/07/15/culturaipsilon/noticia/espolio-almada-negreiros-sarah-affonso-vai-ficar-guarda-universidade-nova-lisboa-1970539 / https://mag.sapo.pt/showbiz/artigos/retrospetiva-da-gulbenkian-dedicada-a-almada-negreiros-atravessa-lisboa
Projecto Gutenberg *
Livros de Almada Negreiros gratuitos para ler on-line ou fazer download.
https://www.gutenberg.org/ebooks/search/?query=almada+negreiros&submit_search=Go%21
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