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As coisas de que eu gosto! e as outras...

Bem-vind' ao meu espaço! Sou uma colectora de momentos e saberes.

As coisas de que eu gosto! e as outras...

02.02.22

Mora @ Histórias e Contos portugueses - O Mãos Largas

Miluem

O Mãos Largas

Era uma vez um homem que lhe chamavam os Mãos Largas. Aliás, Mãos Largas é pra quem dá tudo, né? E ele na' dava nada. E ó'pois por isso é que lhe puseram aquela alcunha. Era os Mãos Largas.

Quer dizer que ele vivia assim uma vida boa e tudo lhe batia à porta a pedir coisas. E ele dizia assim:

– As minhas mãos nunca há-dem de dar nada!

E as pessoas, coitadinhas:

– Ah! Mais temos esta necessidade, esta e aquela...

– Na' quero saber. As minhas mãos nunca há-dem dar nada! – Na' dava nada a ninguém.

Mas já tinha um filho pequeno. Já ensinava o rapazinho a estender as mãos, pra ele dizer que as mãozinhas dele que também nunca haviam de dar nada. E depois, aquilo era uma coisa difícil... O homem já devia ir de uma certa idade e, passado tempo, já o filho era grandinho, morreu.

Ficou o filho. Mas o filho herdou aquilo do pai. Sempre com as mãozinhas assim, dizia sempre. Nunca se dava nada naquela casa (e que tinha uma casa própria com sacos com moedas de oiro e coisas assim) queria era amealhar pò filho. Mas na' queria que o filho desse nada!

Bem, o rapaz foi crescendo e começou a gostar de uma rapariga e a rapariga a gostar dele, mas os pais diziam-lhe assim:

– Ó filha, atão é uma gente que na' dão nada a ninguém! Ó depois, quer dizer, que desgraça é essa?! A gente gosta tanto de dar e eles não. Na' dão nada a ninguém.

– Mas... Há-de ser o que Deus quiser.

E casou com ele. Ah! Aquilo era sempre a baterem à porta... E como ele era muito bom, ia pedindo, e ele dizia logo assim:

– As minhas mãos nunca há-dem dar nada! E fora daqui. Fora daqui! – Punha as pessoas fora dali. Como ele estava bem, era a imitar o pai lá na casa onde havia os sacos do ouro.

Bem, aquilo foi-se passado, passando e as pessoas iam pedindo, mas iam sempre cas mãos vazias porque ele na' dava nada. E atão, a rapariga começou a ter desgosto, a sofrer com aquilo.

Depois nasceu uma menina. E a menina nasceu sem mãozinhas – a mãe da menina desmaiou logo. Ficou assim. Quer dizer que a criada da casa (as criadas foram proibidas de contarem que a menina que na' tinha mãozinhas – pra ele na' saber! Senão havia de ser o bom e o bonito!

E depois, a criada lá tratava da menina e a mãe morreu c 'aquele desgosto da filha sem mãozinhas! E o que ia muito sofrer por causa do pai. Morreu. E depois a criada é que tomou conta dela, da menina. Depois ele estranhava, mas ela é que alimentava a criança e tudo e aquilo ia-se passando.

Um dia, ele viu que a filha que na' tinha mãos! E depois, assim que viu que a filha que na' tinha mãos, se era mau, ainda se tornou pior! Ainda disse:

– Agora é que ninguém me vê nada! Agora é que eu na' dou nada a ninguém! Quem é esse Deus que me dá uma filha sem mãos?! – E começou a desprezar a menina. E a criada, era como mãe da menina.

Quer dizer, passou-se tempo. E a menina, pla janela, via ir as outras meninas pa' escola, via aquelas coisas e a menina chorava e dizia assim:

– Na' tenho mãozinhas! – Tinham que lhe dar de comer, com uma colher! – Na' tenho mãozinhas!

Mas a menina na' sabia lá daqueles problemas dele ser assim tão ganancioso.

– Na' tenho mãozinhas para pegar em nada, nem pa' comer nem nada! – E chorava e dizia – Sou muito infeliz. Fiquei sem a minha mãezinha e fiquei sem as minhas mãozinhas!

E depois, um dia, 'tava assim muita neve, muito frio, muito vento, era já quase meia- -noite e bateram à porta com uma grande força. E ele foi lá e disse assim:

– Quem é esta...? Quem são vocês?! Vocês são umas pessoas miseráveis...

– Ai, a ver se tinha aí um cantinho... Uma casinha... Ou um barracãozinho... Ou assim um celeiro ou uma coisa assim onde eu pudesse pernoitar com a minha mulher porque ela vai ser mãe.

– Fora daqui, miseráveis! Eu nunca dou nada a ninguém! Nem empresto nada a ninguém, nem nada. Fora daqui! Fora daqui!

E a criada a ouvir mais a menina. E, a depois, a criada disse assim à menina:

– Se quiser eu vou pas traseiras e vou agasalhar aquele casal, porque a senhora já 'tá me'mo pa' ser mãe. E vou levá-los lá pró celeiro – uma casa grande que 'tava disponível.

E foi pas traseiras e foi espreitar as pessoas – iam num burrinho muito magrinho, muito pobrezinhos... E entraram pra lá. E atão o homem – eram um casal – começou logo a fazer um berçozinho numas palhinhas, 'tava lá uma vaquinha e 'tava lá uma mulinha. E, na manjedoura, juntou umas palhinhas e começou a fazer um bercinho! Pa' deitar depois a criança quando nascesse. Ó'pois a criada foi dizer:

– Ai! Aquilo é uma pobreza franciscana! Uma pobreza muito grande. Vamos levar umas roupinhas pa' agasalhar a criança quando nascer e agasalhar a mãe. – A criada levou tudo quanto quis pas traseiras e fez tudo sem ele dar por isso. Ele na' deu por nada.

Bem, quer dizer que, depois, a rapariguinha, muito contente por fazerem aquela boa acção, e à meia-noite foi lá espreitar pra ver se já tinha nascido a criança. E a criança já tinha nascido. E era um menino. E ela disse prà menina:

– Olha, 'tá aqui o me' filhinho.

E ela disse assim:

– E eu posso-lhe pôr aqui – ela na' tinha mãos! Eram só uns cotunhozinhos! – Posso pôr o seu menino aqui nos meus bracinhos?

E depois ela disse assim:

– Sim.

E a Maria, que era a mãe do menino pôs-lhe aqui o menino nos bracinhos. E depois a menina começou a chorar! E as lágrimas caiam em cima da cara do menino. E dizia assim:

– 'Tou a chorar porque sou mais infeliz do que tu. Tu tens tuas mãozinhas e eu não! – O menino tinha mãozinhas e ela não!

E a depois a menina ficou assustada porque começou a sentir uma coisa a sair aqui dos cotunhozinhos e começou-se a formar umas mãozinhas. Até dizem que foi o primeiro milagre que Jesus fez. Que ele era filho de Nossa Senhora! E, atão, a criancinha começou a ver formar-se umas mãozinhas, uns dedinhos, a formar-se tudo e ficou fascinada com uma coisa daquelas. E a criada e tudo! Nessa noite, nem dormiram! Ela mais a criada nem dormiram de todo. Ela queria só olhar pràs mãos porque julgava que as mãos que lhe abalavam(17)! Que fugiam! Mas, no outro dia, foram lá já eles tinham abalado. Já Maria e José tinham abalado e levado o menino. Já lá na' estavam.

E, atão, ela, coitadinha:

– E já tenho mãozinhas! – Mas 'tava sempre com medo, elas na' lhe desaparecessem!

E atão o pai começou a estranhar. Começou a ver a criadagem tudo muito contente, tudo muito feliz e tudo. Disse assim:

– O que é que se passa aqui nesta casa?! O que é que se passa aqui nesta casa?! Parece que há aqui tanta alegria... O que é?

E depois fizeram-lhe aquela surpresa. Quando estavam à mesa, a menina foi, sentou- -se à mesa também (porque 'tava proibida de se sentar à mesa, q'o pai odiou a criança! Por ela na' ter mãozinhas! Sem ela ter a culpa). E depois a menina sentou-se à mesa, e a criada já tinha ali o pratinho dela e tudo arranjado, e o pai olhou assim e viu que a filha que 'tava com mãozinhas e co talher a comer! E depois pôs-se a gritar uns gritos tresloucados:

– Mas quem é que deu as mãozinhas à minha filha?! – Quer dizer que virou-se. – Quem é que deu as mãozinhas à minha filha?!

E a filha disse-lhe assim:

– Foi um casal que passou aí, que o pai os abandonou. E aos pais lhes chamou miseráveis e aos pais lhe chamou tudo. E que acolhemos ali no... Mas já lá na' está... Já na' lhe vão lá... O pai já na' lhe vai lá fazer mal porque eles já lá na' estão. Mas foi o filho dessa senhora, dessa mulher que teve o menino é que fez este milagre de me dar as mãozinhas.

– Mas não é possível!!! Como a minha filha já ter mãozinhas?! E...

Quer dizer, virou-se de tal maneira que disse assim:

– Eu vou dar metade da fortuna toda que tenho. Vou espalhar por todo o lado dinheiro e espalhar tudo que tenho ali tudo. E vou a ser uma pessoa feliz, uma pessoa... – como devia de ser!

Quer dizer que o conto foi assim: foi uma maravilha porque ele converteu-se e a filha ficou cas mãozinhas e ela era já feliz porque ia pa' todo o lado, pegava em tudo e foi sempre uma menina feliz. E acabou-se.»

 

nome: Custódia Mariana
ano nascimento: 1927
freguesia: Cabeção
concelho: Mora
distrito: Évora
data de recolha: 2007

 

Créditos:

Fonte:

https://www.memoriamedia.net/index.php/custodia-mariana

05.01.22

Esposende @ Histórias e Contos portugueses - O porco que veio no rio

Miluem

O porco que veio no rio

 

A minha mãe levantava-se cedo e ia ver, à beira do rio, se tinha lenha. Tinha, às vezes; tinha pinheiros, tinha lenha… E ela carregava logo para casa. E então, num dia, ela foi até à beira do estaleiro. Era um estaleiro ali à beira do Vermelhinho. Um estaleiro, ali. E foi ali… Foi cedo. E quem viu lá? Quem ela viu, a minha mãe: o meu Tio das Dores Castro e o Joaquim Musal, os dois. Mas eles sabiam que a minha mãe que era meia palhaça, gostava muito de brincadeira. Ninguém que estivesse à beira dela… Tudo se ria! Disseram-lhe a ela:

- Micas! -ela era Maria, chamavam-lhe Micas. -Micas! Está aqui um chico!

- Um chico?

Ela correu… E vinha um, atrevido… Pegou no chico. E ela foi pedir um carro e pediu ajuda para meter o chico dentro do carro. Mas o chico era muito pesado, que era muito gordo! Era muito pesado, um chico grande! Era muito pesado. E pronto, eles ajudaram-na.

E lá vinha ela, toda contente com o chico, toda a correr… Veio a casa de uma minha tia. Ela tinha muitos filhos; e vinha ela de manhãzinha, ainda estavam na cama. Os filhos dormiam à beira da porta da rua, era ali à beira… A minha mãe chegou ali à porta, começou a chamar:

- Joaquina! Joaquina! Anda cá à porta!

- Quem é? Que queres?

- Anda cá à porta, que tens aqui o teu alimento, para ti e para os teus filhos! Ai, mulher, vais encher a barriga aos teus filhos! Anda cá fora depressa!

Ela abre a porta, a minha mãe arrasta por um cobertor que tinha à beira duma enxerga, à beira, que era dos filhos – puxa dum cobertor que era para tapar o chico para ela levar para dentro!

- Puxa, Joaquina, para dentro!

- Vai-te embora, tola…-era a minha tia: -Vai-te embora, tola, que eu vou presa…

E ia presa, ela ia presa! Se ela mete para dentro o chico, é presa!

Pronto, ela não quis. Veio embora ela, toda triste, vinha ela. Ela não quis o chico. Não quis o chico porque ela tinha medo de ser presa.

Vem ela para a beira do matadouro, que tínhamos um matadouro à beira do rio; um matadouro pequenino. Depois desfizeram aquele e fizeram aqui um grande. Foi bem para a beira do matadouro e juntou-se ali muita gente. Juntou-se ali muita gente: tudo queria prato com o chico!

- Ei, vamos embora! O chico é nosso! O chico é nosso!

Muita gente, mas aquilo era… Parecia uma festa! Era gente… (Ainda não tínhamos aquela estrada daquele lado, ainda não havia aquela estrada. Aquela estrada ainda não estava posta, ainda não tinha estrada à beira do rio. Eu ainda não tinha filhos e já tenho um filho que tem 52 anos, já vai fazer 53! Portanto isto já foi há muito tempo, ainda não havia aquela estrada.) Começou a vir muita gente, parecia uma procissão, aquilo, a correr, tudo ali vinha ver… Parecia que era um santo que tinha aparecido – e era um chico! Tudo corre, tudo corre para ver o chico!

- Onde ides?

- Vamos ver um chico que apareceu no sul!

- Vem, vem! -nunca viram um chico!

Bem, começou a vir uma rapariga… Uma que lhe chamavam, a Palmira Pirata, a Laura Marista, a Carolina do Alter – e era a Micas do Emílio. E a Micas do Emílio diz:

- Ai… Sabes onde está o que mata os chicos? -ele morto já estava ele, era só para o queimar.

-Sabes onde ele está? Está em casa da Dona Angelina do Portela. -era a Portela, para desfazer um chico.

E ela disse assim para a Laura… Eu também estava lá metida…

- Laura, vamos lá ver se ele vem!

Fomos lá e ele, o homem, não queria vir, porque tinha mais chicos para matar lá em Fão. Ele era de Fão. E pedimos:

- Ó, venha, venha, venha… Venha, venha, que nós pagamos! Além da paga, era um favor que nos fazia…

O homem veio. O homem veio, queimou. A Micas do Emílio foi logo buscar palha. A queimar… Eu fui buscar sabão… Tudo… queimar o chico! Queimou o chico bem queimadinho. Nós, com uma pedra, a lavar com sabão o chico, a rapar com uma pedra, a esfregá-lo, a esfregar, todas… Todas contentes! Aquilo era uma festa, aquilo com o chico.

Olha… Quando depois, mais tarde, um boato: que tinha aparecido um chico podre e que nós que o queríamos comer; nós comíamos o chico. O homem abriu o matadouro, abriu o chico depois dele já todo lavadinho… As tripas fumegavam! As tripas do chico fumegavam! Estava fresquinho!

Andava lá sempre um senhor que era o Sr. Francisco, era um marinheiro americano, sempre para trás e para diante, andava sempre a passear por ali, e disse:

- Raparigas, se vós venderdes estes presuntos eu fico com eles. Não tenho nojo de os comer. Eu fico com eles! -o americano, o Francisco americano. -Eu fico com eles.

Bem, veio aquele boato… O senhor doutor Joel, que era da saúde, mandou logo que queimassem o chico! Que que o enterrassem e o queimassem!

Nós ainda estivemos ali muito tempo, porque ali era o matadouro! Ao outro dia vinha o veterinário ver! Era ali o matadouro, matavam ali bois, vacas e carneiros e chicos e tudo – e depois ao outro dia vinha o veterinário. Se o veterinário dissesse que a gente que não podia comer o chico, a gente não comia! Veio o senhor doutor, deu ordem para enterrar o chico. Para enterrar o chico, pronto… enterrámos o chico.

O Zé da Vila é que estava lá empregado na Câmara e ia fazer ali coisas no matadouro. Ia ali fazer coisas no matadouro. Veio a ordem então para ele o levar, deitou-o dentro do carro. As moças – a Laura Marista, a minha mãe e era eu, era a Tia Micas do Emílio, a Carolina do Alter e a Pirata, a Palmira Pirata – havia uma coisa que era a Casa do Povo, ali naquela estrada para onde se ia para o cemitério; havia ali uma casa que era a Casa do Povo. Fomos todas para ali. Fomos para ali, nós todas a gritar, elas todas a gritar pelo chico:

- Meu amor, adeus! Adeus! -tudo com os lenços: -Adeus!

O Zé da Vila nem sabia se ia para a frente, se ia para trás! Ele também era um palhaço, ele era um palhaço direitinho. Ele ria-se a perder! Não sabia se ia com o chico para a frente…

- Adeus, meu filhinho, adeus! Adeus! -mas aquilo era um clamor: -Jesus! Senhor! -nós, tudo a gritar, cada vez gritavam mais: -Adeus! Adeus, meu filho, adeus! Adeus, meu menino!

Pronto, o Zé da Vila lá foi, aos empurrões; lá foi ele. Lá foi ele, foi enterrá-lo. Deitou creolina. Se ela não deita creolina, ainda alguém o havia de desenterrar! Mas ele deitou creolina, ninguém o desenterrou!

Às cinco e meia da tarde, aparece aqui um homem. Era o moleiro. O moleiro deu de comer ao chico às seis horas da manhã. Veio aquela cheia: abriu as portas, arrombou as portas, partiu – lá foi tudo! O chico veio por aqui fora! Veio por aqui fora. Diz:

- Olhe, vocês não ouviram por aqui que entrasse um chico, um chico… Que eu dava-lhe a metade do chico a quem o encontrasse.

Digo assim:

- Olhe, você quer ver o chico? Vá ver detrás do cemitério, está lá enterrado. Enterraram-no. O senhor doutor mandou enterrar.

- Ah… que ainda eram seis horas da manhã, lá dei de comer ao chiquinho… e ele abriu…

Você está a rir? Mas foi uma verdade! Sim senhora!

E pronto. Mas era um chico… Que rico chico… Ai, que chico grande… Um chico gordo! Que rico chico… Ai, que rico chico… Ninguém por aqui matava aquele chico. Ele era moleiro, só deitava farinha para comer! Ai, meu rico chico… Ai, ai… E tanta fome que havia naquela altura…

 

nome: Olívia Níbra

ano nascimento: 1937

freguesia: Esposende, concelho: Esposende

distrito: Braga

data de recolha: Outubro 2010

https://www.memoriamedia.net/index.php/olivia-nibra

01.01.22

Lenda por Fernanda Louro @ Lendas de Portugal - A Lenda do noivado entre a Beira Baixa e o Alentejo

Miluem

Por Fernanda Louro

 

Há muitos muitos anos, talvez perto de 65, o jornal "O Século" fez um concurso com Lendas de Portugal. Havia uma caderneta onde a minha Mãe colava as lendas que eram publicadas periodicamente no jornal e eu adorava lê-las. Algumas, tenho visto serem publicadas outras não. Entre estas últimas adorei uma:

Idanha-a-Nova.JPG

 A Lenda do noivado entre

a Beira Baixa e o Alentejo. 

Serra_de_São_Mamede,_Portalegre.JPG

A Beira Baixa e o Alentejo apaixonaram-se e trocaram prendas de noivado: O Alentejo deu à Beira a campina de Idanha-a-Nova e a Beira retribuiu com a oferta da Serra de S. Mamede ao Alentejo. 

O noivado desfez-se mas juraram nunca se desfazerem das prendas trocadas. 

 

Como nasci e vivia em Castelo Branco, ia com muita frequência passar temporadas a Idanha-a-Nova onde a minha irmã mais velha vivia, apesar de ser uma "pisca" a comer, adorava a comida que por lá se fazia. Mais tarde casei com um "filhote" da Serra de S. Mamede, a minha sogra ficava muito admirada por eu gostar da comida alentejana quando ouviu a minha resposta: 

A Lenda, que atrás citei, era verdadeira pois a todas aquelas comidas estava eu habituada a comer em casa da minha irmã. 

(...)

 

Fonte: https://miluem.blogs.sapo.pt/janeiras-castelo-branco-404940?view=911820#t911820

Fotos: https://pt.m.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Idanha-a-Nova.JPG

https://pt.m.wikipedia.org/wiki/Serra_de_S%C3%A3o_Mamede

29.12.21

Esposende @ Histórias e Contos portugueses - São Bentinho

Miluem

São Bentinho

 

São Bentinho era de muitos milagres! Ia muita gente a São Bentinho, ali em Barcelinhos. Ia tudo. À meia-noite já estava tudo aqui alerta, tudo a chamar pelas portas para vir para São Bento. Nós, todas contentes, lá íamos passear. Eu ia sempre com uma minha tia, que ela tinha sempre lá uma promessa para fazer. Enquanto ela fosse viva, ela tinha que ir sempre a São Bentinho. Ia muita gente nova. Ui, Jesus! Da meia-noite… O que elas queriam era borga, por ali fora, sempre a cantar.

E então… Foi uma mulher conhecida daqui, que era a Caravelha, a Hermínia Caravelha. Era uma senhora que morava lá para a beira do cemitério. E então levava o seu farnelinho para comer; uns bolinhos! Mas pelo caminho era uma noite fechada, era escuro como um prego! Era escuro como um prego, que não tinha luzes! Nós íamos sempre pela estrada fora, mas não se via nada. Não se via nada! Numa certa altura, ela deu um tropeção e caiu. Lá foi a cesta com os bolinhos, lá foi tudo! Apanhou para dentro do tacho os bolinhos. Ela lá vinha, apalpava com a mão e pronto, apanhou assim. Ela assim:

- O tacho já está mais cheio do que o que estava!... Está mais cheio do que o que estava.

Bem, tapou. Deitou na cesta, pronto – fomos para São Bentinho. Para São Bentinho era muito escuro, muito escuro pelo caminho. Nós vínhamos umas aqui, outras ali, outras acolá, mas quando chegava na Portela, tudo se ajuntava, que tinha medo! Na Portela matavam gente e roubavam e tudo; faziam da gente o que queriam.

E então chegámos a São Bentinho. Chegámos a São Bentinho, ainda estava a porta fechada, porque nós íamos sempre muito cedo. Cinco horas, nós chegávamos sempre por volta das cinco horas. Cinco horas ainda estava a capela fechada. Estávamos ali encostadas à capela a dormir, todas por ali assentadas.

Vinha o homem, abria a porta, tudo ia fazer as suas coisas; ia fazer as suas romarias. Ia fazer as suas romarias. Quando foi hora de comer, a Hermínia... Tudo puxa por um bocado do que levou. Lá puxou pela cesta… Ela abre o tacho, diz ela assim:

- Que é isto? Ai, o que é isto?

Desculpem todos, mas eram cagalhotos de burro que ela tinha dentro do tacho! Ela apanhou, não viu de noite! Não viu, deitou para o tacho! Ela até dizia:

- O tacho já está mais cheio do que o que estava!

Mas porque aquilo era maior, as coisas eram maiores do que os bolinhos que ela tinha… Pronto, foi ao ar.

 

nome: Olívia Níbra, ano nascimento: 1937
freguesia: Esposende, concelho: Esposende, distrito: Braga
data de recolha: Outubro 2010

 

Créditos:

Fonte: https://www.memoriamedia.net/index.php/olivia-nibra/80-expressoes-orais/esposende/olivia-nibra/1865-sao-bentinho

19.12.21

@ Histórias e Contos portugueses - A menina e o bicho por Consiglieri Pedroso

Miluem

Dr._Consiglieri_Pedroso_-_Illustração_Portugueza_(26Abr1909).png

A menina e o bicho
por Consiglieri Pedroso

 

Era uma vez um homem que tinha três filhas.

Eram todas muito amigas dele, mas havia uma que ele estimava mais.

Foi um dia à feira e perguntou às filhas o que é que elas queriam de lá. Uma delas disse:

— Um chapéu e umas botas!

A outra disse também:

— Um vestido e um xaile!

Mas a que ele estimava mais não lhe disse nada.

O homem, muito admirado, perguntou:

— Ó minha filha, tu não queres nada?

— Não quero nada, disse ela. Quero que meu pai tenha saúde!

— Tu hás-de também pedir uma coisa, seja o que for, que eu trago-ta! respondeu o pai.

Ela, para que o pai a deixasse, disse então:

— Quero que meu pai me traga um corte de goraz em campo verde.

O homem foi para a feira, comprou todas as coisas que as filhas lhe tinham pedido, e não fazia senão procurar o corte de goraz em campo verde. Mas não o encontrou. Era coisa que não havia. Por isso vinha muito triste para casa, porque era a filha que ele mais estimava.

Quando vinha andando, aconteceu-lhe ver luzir uma luz no caminho, porque já era noite.

Foi andando, andando, até chegar àquela luz.

Era um pastor, que estava ali numa cabana. O homem chegou-se a ele e perguntou:

— Sabe-me dizer que palácio é aquele, e se me podiam dar agasalho!

O pastor respondeu muito admirado:

— Oh!, senhor, mas... naquele palácio não habita ninguém; aparece lá uma coisa, e todos têm medo de lá estar!

— Deixá-lo, disse o homem, não me hão-de comer, e como não tem ninguém, vou lá dormir esta noite!

Foi. Encontrou tudo iluminado e muito rico e, entrando mais para dentro, viu uma mesa posta. Quando se ia a chegar à mesa, ouviu uma voz dizer:

— Come e vai-te deitar naquela cama que ali está, e pela manhã levanta-te e leva o que está em cima daquela mesa, que é o que a tua filha te pediu, mas, ao fim de três dias, hás-de ma trazer aqui.

O homem ficou muito contente por levar à filha o que ela tinha pedido, mas ao mesmo tempo ficou triste pelo que a voz lhe tinha dito.

Deitou-se e ao outro dia levantou-se, foi direito à mesa e viu o corte de goraz em campo verde; agarrou nele e foi para casa.

Apenas chegou, começaram as filhas de roda dele:

— Meu pai, que é que nos trouxe? Deixe ver.

O pai deu-lhes tudo quanto trazia.

A outra filha, a que ele estimava mais, perguntou-lhe só se ele tinha saúde. O pai respondeu-lhe:

— Minha filha, venho contente e ao mesmo tempo triste! Aqui tens o teu pedido.

A filha respondeu-lhe:

— Oh! meu pai, eu tinha-lhe pedido isto, porque era coisa que não havia; mas porque é que vem tão triste?

— Porque tenho de levar-te ao fim de três dias aonde me deram isto!

E contou tudo o que lhe tinha acontecido no palácio e o que a voz lhe tinha dito. A filha, quando ouviu tudo, respondeu:

— Não esteja triste, meu pai, que eu vou, e há-de ser o que Deus quiser!

Assim foi. Ao fim de três dias o pai levou-a ao palácio encantado.

Estava tudo iluminado, a mesa posta e duas camas feitas.

Quando entraram, ouviram uma voz dizer:

— Come e deixa-te estar três dias com a tua filha, para ela não ter medo.

O homem esteve os três dias no palácio. No fim, foi-se embora, ficando a filha só.

A voz falava com ela todos os dias, mas não se via ninguém.

Ao fim de uns poucos dias, a menina ouviu cantar um passarinho no jardim. A voz disse-lhe:

— Tu ouves o passarinho a cantar?

— Oiço, sim, disse a menina; é alguma novidade?

— É tua irmã mais velha que está para casar. E tu queres ir? perguntou a voz.

A menina, muito contente, disse:

— Eu quero, sim; e tu deixas-me Ir?

— Eu deixo, tornou a voz, mas tu não voltas!

— Volto, sim! - disse a menina.

A voz deu-lhe então um anel, para ela se não esquecer, e disse-lhe:

— Olha que ao fim de três dias vai um cavalo branco buscar-te; há-de bater três pancadas: a primeira é para te vestires, a segunda é para te despedires e a terceira é para te montares. Se às três não estiveres em cima do cavalo, ele vem-se embora e deixa-te lá!

A menina foi. Houve uma grande festa, e a irmã casou-se. Ao fim de três dias, foi o cavalo branco bater três pancadas. À primeira a menina começou a vestir-se, à segunda despediu-se e à terceira montou a cavalo.

A voz tinha dado à menina um caixote de dinheiro para levar ao pai e às irmãs, e por isso elas não queriam que ela tornasse para o palácio encantado, porque já estava multo rica.

Mas a menina lembrou-se do que tinha prometido, e apenas se viu em cima do cavalo foi-se embora.

No fim de certo tempo tornou o passarinho a cantar muito contente no jardim. A voz disse-lhe:

— Tu ouves o passarinho a cantar?

— Oiço, sim, disse a menina, é alguma novidade?

— É a outra tua irmã que está para casar. E tu queres ir? perguntou a voz.

A menina, muito contente, disse:

— Eu quero, sim; e tu deixas-me ir?

— Eu deixo, tornou a voz, mas tu não voltas!

— Volto, sim, disse a menina.

A voz disse, então:

— Olha que se ao fim de três dias não vieres, ficas lá, e serás a rapariga mais desgraçada que há no mundo!

A menina foi. Houve uma grande festa, e a irmã casou-se. Ao fim de três dias veio o cavalo branco. Deu a primeira pancada, e a menina vestiu-se; deu a segunda, e a menina despediu-se; deu a terceira, e montou a cavalo e foi para o palácio.

Passados tempos tornou o passarinho a cantar no jardim, mas muito triste, muito triste.

A voz disse-lhe:

— Tu ouves o passarinho?

— Oiço, sim, disse a menina, é alguma novidade? É, sim, é o teu pai que está para morrer, e não morre sem se despedir de ti!

— E tu deixa-me ir? perguntou a menina, muito triste.

— Deixo, sim, mas desta vez é que tu não voltas!

— Volto, sim, disse a menina.

A voz disse-lhe:

— Não voltas, não, que as tuas irmãs não te deixam vir! E tu e mais elas, serão as raparigas mais desgraçadas deste mundo, se não voltares ao fim de três dias!

A menina foi, o pai estava muito mal e não podia morrer, mas apenas se despediu dela, morreu.

As irmãs, como ela tinha perdido a noite, deram-lhe dormideiras e deixaram-na dormir.

A menina pediu muito que a acordassem antes de vir o cavalo branco.

As irmãs que fizeram? Não a acordaram e tiraram-lhe o anel do dedo.

Ao fim de três dias veio o cavalo. Bateu a primeira pancada, bateu a segunda, bateu a terceira e foi-se embora, e a menina ficou.

Ela andava muito satisfeita com as irmãs, porque não tinha o anel e já não se lembrava de coisa nenhuma.

Daí a uns poucos dias, começou a fortuna a andar para trás, a ela e às irmãs.

Até que uma vez as duas disseram-lhe:

— Mana, tu não te lembras do cavalo branco?

A menina lembrou-se, então, de tudo e disse a chorar:

— Ai. que desgraça a minha! Ai, que me desgraçaram! Que é do meu anel?

As irmãs deram-lhe o anel, e a menina, com muita pena, foi-se logo embora. Chegou ao palácio encantado, mas viu tudo muito triste, muito escuro e muito fechado.

Foi direita ao jardim e encontrou um bicho muito grande, estendido no chão. O bicho, apenas a viu, disse-lhe:

— Retira-te, tirana, que me dobraste o meu encanto! Agora serás a rapariga mais desgraçada do mundo, tu e as tuas irmãs!

O bicho estava a acabar e, assim que disse isto, morreu. A menina voltou para as irmãs, muito triste e a chorar multo, meteu-se em casa sem comer nem beber, e dali a dias morreu também.

As irmãs, essas ficaram cada vez mais pobres, por terem sido a causa disto tudo.

 

Créditos:

Fonte: https://pt.m.wikisource.org/wiki/A_menina_e_o_bicho

Foto: https://en.wikipedia.org/wiki/Zófimo_Consiglieri_Pedroso

18.12.21

Esposende @ Histórias e Contos portugueses - A esmola do Senhor dos Passos

Miluem

A esmola do Senhor dos Passos

 

Havia um indivíduo que ia sempre, quase dia sim, dia não, tirar as esmolas ao Senhor dos Passos, à igreja. E então o sacristão apercebeu-se que ele que ia lá buscar a nota; as esmolas.

O sacristão, um dia, viu e pôs-se por trás do Senhor dos Passos. O gajo lá ia, tuc-tuc, tuc-tuc, tuc-tuc tirar a nota… Diz sacristão lá debaixo:

- Tira daí a mão!...

O homem pôs-se a olhar para o Senhor dos Passos… Ele ia outra vez tirar o dinheirico… O Senhor dos Passos – era o sacristão:

- Tira daí a mão!...

Ele vira-se para o Senhor dos Passos e diz assim:

- Ó Senhor dos Passos… Tens sido tão bonzinho, hoje estás tão mauzinho…

 

nome: Abílio Cerqueira, ano nascimento: 1941

freguesia: S.Bartolomeu do Mar,  concelho: Esposende, distrito: Braga

data de recolha: Outubro 2010

 

Créditos:

Fonte: https://www.memoriamedia.net/index.php/abilio-cerqueira/75-expressoes-orais/esposende/abilio-cerqueira/856-a-esmola-ao-sr-dos-pacos

20.11.21

Campo Maior @ Histórias e Contos - O velho sobreiro

Miluem

O velho sobreiro

 

Passava um dia perto do Rossio

Entre a igreja de São Domingos e a Ginjinha

Quando em meu corpo senti um arrepio

Que mesmo das entranhas da minha alma vinha

 

Foi uma graça de Deus a emoção que senti

Quando de repente o meu olhar pousava

No velho sobreiro ali, mesmo ali

Nesse momento senti que no Alentejo estava

 

Mas ai que para meu espanto Lisboa passa

De canastra à cabeça e chinela no pé

Bandeando a anca que enchia de graça

Benzendo seu rosto num gesto de fé

 

No velho sobreiro pousavam pardais

Trinando cantigas ao som do pregão

A varina corria em direcção ao cais

E o sino da igreja fazia dlão, dlão

 

Dlão, dlão…

 

E eu, camponesa, olhava com espanto

Toda esta visão, todo este bulício

Minha alma poeta se enchia de encanto

E as pessoas passavam sem darem por isso

 

Com vida apressada, perdeu-se o encanto

A vida é vivida em função do dinheiro

As pequenas coisas já não causam espanto

E Lisboa já chora abraçada ao sobreiro

 

Mas Deus, Deus que é amor deu o dom ao poeta

Para ver a vida com outra visão

Com outro sentir, que o faz estar alerta

Para as pequenas coisas que tão belas são.

 

 

Créditos:

nome: Rosa Dias

ano nascimento: 1947

concelho: Campo Maior, distrito: Portalegre

data de recolha: Julho 2012

https://www.memoriamedia.net/index.php/campo-maior/72-expressoes-orais/campo-maior/rosa-dias/2511-o-velho-sobreiro

 

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