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As coisas de que eu gosto! e as outras...

Bem-vind' ao meu espaço! Sou uma colectora de momentos e saberes.

As coisas de que eu gosto! e as outras...

07.05.20

S. Pedro de Moel, Mª Grande @ Lendas de Portugal - Lenda do Penedo da Saudade

Miluem

 


Lenda do Penedo da Saudade

 

Eram dez horas quando os Marqueses de Vila Real e os Duques de Caminha saíam do Convento de Sant’Ana, depois de terem ouvido missa na capela. Um carro de abastecimento e das malas aguardava a partida dos ilustres senhores. Mais à frente, à saída do Convento, uma linda carruagem, de concepção, do século, esperava.

 

Tanto o carro como a carruagem eram conduzidos por criados vestidos a rigor. Ladeando-os, quatro homens a cavalo, devidamente equipados e armados de pistolas e arcabuzes. Três criadas, seguiam, conjuntamente ao abastecimento e às bagagens. Quando os ilustres senhores chegaram, somente a Marquesa e a Duquesa tomaram os seus lugares na carruagem, onde já se encontrava a aia. O Marquês e o Duque, o pai e o filho, montaram a cavalo e colocados à frente, deram início à marcha.


Se bem que há mais de uma dúzia de anos, a morte de Francisco Rodrigues Lobo, ainda era sentida. Os Marqueses da Vila Real sentiam-lhe a falta. Habituados ao seu convívio, à elegância e afabilidade do seu trato; porque ele comunicava-lhes a sua grande paixão pelas Ribeiras de pastos verdes; a beleza bucólica da paisagem, onde a natureza se lhe oferecia nos seus dons oratórios; o desaparecimento do poeta sentiram-no, se bem que duma forma de dolorosa saudade, também e acima de tudo, como uma verdadeira ameaça a seu prestígio, como o desvirtuamento da sua casa, do seu poderio, do seu brasão, pois Rodrigues Lobo não era só um seu protegido, era como que um elemento mais da ilustre família, e a sua morte, envolta em muitas dúvidas, foi recebida como uma real afronta. O poeta era judeu, mas era um exemplo de conduta e de valor: deveria ser estimado e favorecido pelo que representava para o País e como português porque como tal nasceu e viveu.


Naquele tempo, O Pinhal do Rei era, se não sinistro, pelo menos como representando alguns perigos. Através dos seus nove quilómetros de largura, não havia feras de temer mas era possível o encontro com grupos de facínoras que ali se acoitavam, guardando os melhores caminhos esperando as presas, ou pela orla, escolhendo o momento propício do assalto aos camponeses das aldeias vizinhas.


De Leiria até à costa de Moer levavam cerca de uma hora e um quarto. A meio do Pinhal, atravessaram a ponte de madeira sobre o rio Moer. O Moer já deixara, há muito, de ir desembocar no pequeno golfo, e este, o golfo, entrara de se assorear estreitando e perdendo a profundidade. Segundo registos, desde 1147 que 17 sismos de significativa intensidade, abalaram a região de Moer, até ao ano de 1531, depois houve o de 1597 e o de 1755. Todos os sismos foram de intensidade entre V e VIII graus, excepção ao de 1755 que foi de grau X. É fácil de calcular que só os sismos anteriores a 1300 tiveram influência na modificação do curso do rio Moer, ou seja, antes do Pinhal ter sido semeado, nessas imediações, por D. Dinis, já que com os pinheiros desenvolvidos as raízes segurariam as terras e teriam evitado grandes modificações. Antes de 1300, se bem que já houvesse pinhal do porto de N. Sr.ª da Vitória para o Sul, do Camarção para Norte a região de Moer era constituída de dunas de areia leve e solta susceptível de fáceis modificações e absolutamente à mercê de sismos de grau VII ou VIII.


Também temos a certeza que essa modificação não se teria dado antes de 1200, pois tanto o Porto Moer, como o Porto de N. Sr.ª da Vitória eram utilizados pela esquadra portuguesa, sob o comando de D. Fuas Roupinho, Senhos das grandes dimensões de terras, do mar a Porto de Mós: principalmente pelo Porto de N. Sr.ª da Vitória, onde a esquadra, fundeada, esperava o seu almirante.


Foram os fortes abalos do terramoto de 1531 que destruíram o Porto de N. Sr.ª da Vitória, desfazendo-o de tal forma que esse local passou a ser só paredes, no real e no nome (Paredes). No ano de 1542, como não fazia sentido o povo dos lugares vizinhos deslocarem-se à igreja destruída dum local onde não existia ninguém, pois os habitantes de N. Sr.ª da Vitória eram pescadores e homens do mar, e tomados de pânico, ante a terrível destruição e do número de vidas perdidas, mudaram-se para a Pederneira.


Depois de levantada a igreja de invocação a St. António; Pataias passou a sede de freguesia, passando a fazer-se, todos os anos, no dia 15 de Agosto, uma romagem à Praia das Paredes de invocação de N. Sr.ª da Vitória. Da mesma forma, os descendentes da população do destruído Porto de N. Sr.ª da Vitória, vão em romagem, após a Páscoa até à quinta-feira da Ascensão do Senhor, da Pederneira para a Praia das Paredes, onde, ao redor da Capela, montam as suas barracas para a longa devoção.


A casa de praia do Marquês de Vila Real, foi edificada na arriba sobre a praia, a Sul da rocha onde se levantou a Capella Velha, cremos que sobre a primitiva e tosca capela onde o Ermitão de S. Pedro viveu e deu nome à praia. Pensamos que a casa do Marquês de Vila Real tenha sido edificada sobre ruínas anteriores e muito mais antigas, e talvez sobrepostas às construções das dominações: fenícia, romana, goda, árabe, ou mesmo dos primórdios da nacionalidade, pois é crível que os fortes abalos que destruíram o Porto de N. Sr.ª da Vitória também tenham destruído as possíveis edificações do porto de S. Pedro de Moel (Moer).


Julgamos que no tempo dos Marqueses de Vila Real, senhores que foram de Moer, existissem mais algumas casas e os barracões do porto, mas tudo, mais ou menos, acabaria por se deteriorar e ruir depois do Marquês e do Duque terem perecido justiçados pelo rei D. João IV, o qual, extinguido os títulos lhe confiscou os bens incorporando-os na Casa do Infantado, instituição régia de domínio de determinados bens, criada em 11 de Agosto do ano de 1654 por D. João IV, a favor do infante D. Pedro, futuro D. Pedro II, com privilégios semelhantes aos da Casa de Bragança.


Com senhores da região da costa de Moer de Moer, teria o Marquês de Vila Real mandado edificar, sobre a rocha e os restos da tosca Capela do ermitão de S. Pedro, a Capela que se designou, posteriormente, de Capela Velha, e onde afluía muito povo em romaria.


Naquela casa do Marquês de Vila Real, houvera o privilégio de se ter ouvido a voz de Francisco Rodrigues Lobo, declamando e discutindo os seus versos e as suas provas. Fora, também ali, que correndo e brincando, D. Miguel Luís de Menezes, futuro Duque de Caminha, crescera aos favores do sol e do iodo do mar. Fora ali que D. Miguel se fizera um garboso gentil-homem e onde amara as suas duas primeiras esposas e que, agora, no gozo melífero da sua terceira lua de mel, se rendia à beleza, graça e juventude de sua nova esposa, a Duquesinha D. Juliana Máxima de Faro, filha benquista dos Condes de Faro. Aos 27 anos de idade, tão novo, garboso e varonil, já tinha amado e sofrido de sobra. Mas agora, com a sua nova esposa, tão fresca e tão terna, linda como um anjo, rubra de juventude, de alegria e ânsia de amor, nada mais queria do que partilhar o quanto lhe ia na alta romântica e sonhadora, com aquela deusa de encanto e doçura.


Ao chegar à praia, o jovem Duque correu ao cimo da arriba e soltou os olhos ao infinito, mar fora, à procura de quanto o amor lhe incendiava o peito e propulsava a imaginação.


Depois do almoço, a Duquesinha sentou-se ao cravo deliciando-o com a sua destreza e a sua delicada sensibilidade. D. Miguel, de olhos semicerrados, voava na alma à altura dos anjos, bendizendo, ao mesmo tempo a esposa prendada que Deus lhe oferecera.


Após um leve repouso, o Duque falou ao ouvido da sua Duquesinha e ambos, rindo e folgando, saíram. O Duque mandara aparelhar dois cavalos, e, exteriorizando uma esfuziante felicidade, meteram os cavalos a trote em direcção ao Norte, pelo cimo da continuada arriba, parando sobre um pequeno promontório.


Sempre a tagarelar, o jovem Duque tirou da cela uma manta que estendeu. Depois, sobre aquele penedo, tão alto e saliente, que se temia que escorregasse e caísse para o mar, envoltos num silêncio estranhamente musicado pelo mar, deram largas aos desejos ardentes e aos sentimentos mais belos que o amor mais puro pode gerar.


Naquela penedia enorme, as ondas debatiam-se num esforço de derreter e alargar aferindo da sua consciência, soltando dos embates miríades de ínfimos salpicos salgados que esvoaçando, desciam e se depositavam. D. Miguel já conhecia aquele retiro paradisíaco, há muitos anos. Vinha ali desde pequeno: primeiro acompanhado de seu pai; mais tarde, a caminho da maioridade, tinha vindo sozinho, cavalgando, depois, horas sem cessar pela borda do mar na dimensão das longas praias a Norte. Ano após ano foi ganhando uma verdadeira paixão àquele rochedo, aonde trouxera, também, as suas duas primeiras esposas.


Ali, no ermo e no belo, esquecia-se das mágoas e aprendia a escolher a beleza. Ali, podia realmente viver: podia amar sem ser visto. Ao redor só mato maninho e rasteiro, misturado de flores, levemente rosadas, mas tão invulgares que só naquele local as encontravam.


À sua frente, o mar; o mar sem fim, azul, sustentando o céu nos braços do horizonte. Agora, naquela penedia, só eles, os dois apaixonados ainda em plena lua de mel. Por cima, o crocitar das gaivotas desenhando na magia do voo, ou planando ao sabor da brisa morna da Primavera adiantada.


E naquele paraíso da beira-mar de Moer se passavam os mais belos dias dos recém-casados. Uma vida que era preciso aproveitar e dela extrair a fragrância inesquecível que o amor oferece à juventude.


Ao fim de dois meses era mister regressar a Lisboa. Com os jovens Duques, a lembrança feliz das tardes sobre o promontório atirado ao mar, na costa de Moer. Em Lisboa, havia outro ritmo, outra forma de vida, outra forma de estar. A Restauração tinha-se dado em Dezembro do ano que passara e a premente necessidade de juntar os mais influentes era reclamada pela corte.


Passados os tempos de euforia, uns estavam contentes com o novo Rei D. João IV, que iniciara o reinado favorecendo uns, desfavorecendo outros. D. Miguel Luís de Meneses que herdara o título de Duque de Caminha por mercê de Filipe II, vira-o confirmado por D. João IV, em 14 de Maio de 1641. D. Miguel estava contente, mas seu pai, o Marquês de Vila Real, Alcaide-Mor de Leiria, membro do Conselho de Estado de Filipe III, e a quem D. João IV, confirmando-lhe o título de Marquês de Vila Real, concedeu o lugar de Conselheiro de Estado, não se julgando suficientemente recompensado, entrou de conspirar de parceria com o Arcebispo de Braga, D. Sebastião de Matos e Noronha, o Inquisidor Geral, D. Francisco de Castro, o Conde de Armamar, Rui de Matos e Noronha, somente com vinte e quatro anos e sobrinho do Arcebispo de Braga, o Conde de Vimioso e outros.


Um dia, em Lisboa, a nova Duquesa de Caminha, D. Juliana Maria, tão jovial e ansiosa de mimos, ainda nas primícias de recentes núpcias, surpreendeu, em sua casa, uma secreta audiência que a encheu de amargura e pavor. Seu sogro, o Marquês de Vila Real, D. Luís de Noronha e Meneses, tentava aliciar seu filho, o Duque de Caminha, e seu marido, que tão cheio de venturava andava e tão alheio aos problemas de Estado, só tendo, até então, olhos e atenções para a sua jovem e doce esposa. Esperando a saída do sogro, a Duquesinha, suplica com veemência ao marido, que não compareça à reunião aprazada. D. Miguel, desgostoso por ela ter ouvido, pois queria resguardá-la de semelhantes aflições, puxando-a a si e beijando-a docemente, jura-lhe que comparecerá na reunião somente para melhor poder afastar o seu pai daquela loucura.


À hora da saída do Duque para a reunião aprazada, a Duquesinha lança-se ao pescoço do marido tentando não o deixar sair. Sorrindo e com algum esforço, o Duque solta-se dos braços de sua linda e jovem esposa, e garboso, desce, de capa negra sobrepondo o gibão de tecido rugoso; de feltro eriçado, as plumas caprichosas mergulhadas nas pregas da capa; a espada de Toledo batendo no cano das botas de cavaleiro; à porta, vira-se, atira-lhe um beijo enquanto ela, lavada em lágrimas, esconde a face nas frescas e rosadas mãos.


Foi impossível ao Duque fazer mudar de ideias seu pai. O Marquês de Vila Real, falava com uma tal ira, esquecendo por completo a honra e a insígnia dos seus antepassados. O jovem Duque, ouvindo seu pai, ficou horrorizado e esperando o pior.


No dia seguinte, Luís Pereira de Barros, não perde tempo e denuncia a El-Rei a conjura. D. João IV dá-lhe ordem para fazer a denúncia por escrito, com o nome de todos os implicados.


El-Rei, recebe novas denúncias. Ordena a prisão de todos os conjurados. Nem o moço e inocente Duque de Caminha escapa ante a sofreguidão de vantagens do delator.


O Arcebispo de Braga é encarcerado em S. Julião da Barra. O Marquês de Vila Real e o Duque de Caminha, presos no Paço da Ribeira, são levados para as masmorras de Belém. O Conde de Armamar é metido na terrível enxovia do castelo de S. Jorge. Outros membros do clero, da nobreza e do povo, são fechados nas fortalezas de Setúbal e de Cascais. O povo, incitado, vem para a rua vociferar, tentando castigar a fidalguia e o clero: esquecendo que foram fidalgos que aclamando D. João Pinto Ribeiro, generosamente libertaram Portugal do jugo estrangeiro.


Entretanto, à voz da desgraça, a Duquesinha corre a casa de sua mãe, a Condessa de Faro e, entre soluços, jura a inocência de seu marido, o Duque de Caminha. A Condessa de Faro, D. Magdalena de Lencastre, intervém:


– Sossega! – O nosso Arcebispo, D. Rodrigo da Cunha, que goza de mui valimento no Paço da Ribeira, e como tem um alto afecto pelo Duque de Caminha e pelos Condes de Faro, certamente irá connosco jurar a inocência e solicitar o indulto de teu marido, D. Miguel Luís de Meneses.


O bom Arcebispo, oferece-se para defender a tal causa e acompanha ao Paço a Condessa e a sua filha, a Duquesinha. E ante El-Rei, D. João IV, proclama a inocência do Duque, solicitando o seu perdão, entregando ao Rei, a declaração que o jovem Duque escrevera, com o seu próprio punho: clamando que unicamente sobre ele existe a culpa de não ter denunciado aquele que lhe deu vida. Mas denunciá-lo, seria o mesmo que se tornar parricida, pois que, tendo renunciado a tamanho horror mal se sentia para com o Rei e para com o seu pai.


Sofrendo a terrível ansiedade, a Duquesinha, vendo a impassibilidade de El-Rei e a rigidez da Rainha, ouve pronunciar o monarca: - Bandeou-se com traidores!


A Duquesinha, quase louca, lança-se aos pés da Rainha, suplicando-lhe o perdão do seu inocente e jovem marido, apelando para o seu coração de mulher e de esposa.


A Rainha, vendo o sofrimento daquela linda criança, esposa tão moça do Duque sem culpa, mesmo assim, insensível, surda a quaisquer rogos, não se demove e, fria e arrogante, não tendo em conta, sequer, o parentesco, contesta com arrogância: - Não! as injustiças… pedem justiça!...


Assim, decorridos que foram breves dias, a justiça condena à decapitação os fidalgos implicados. O Inquisidor Geral e o Arcebispo de Braga, a prisão perpétua. Os burgueses e os plebeus, a serem enforcados e esquartejados.
À uma hora da tarde do dia 29 de Agosto do ano de 1641, o Rossio, guardado pelos homens de D. Francisco de Noronha, encheu-se de nobreza, de clero e de povo. As janelas cheias. Empoleirados pelos telhados, sem escrúpulos nem dó, deliciam-se as gentes no antegozo do macabro espectáculo.


Ao aparecimento do fúnebre cortejo, o povo contorce-se, ante frades com cruzes, ante os mosquetes aperrados, os chuços alçados. Seguindo a bandeira da Misericórdia, as tumbas para receber os despojos. No passadiço, o Marquês de Vila Real, de negro, em vez do gibão de cor, os polegares ligados sobre o peito. Um frade atirando-lhe as palavras de contrição. Seguem-no, o Duque mais dois fidalgos e quatro plebeus. Estão todos no patíbulo. O povo protesta contra os traidores.


Pescoço à vista, à mercê do carrasco, O Marquês de Vila Real, com a sua acostumada sobranceria fidalga, solicita o perdão do povo.


– Morra o traidor! – Vociferam milhares de vozes.


O Marquês curva-se. O carrasco levanta o cutelo, desce-o, rápido, reflectindo no aço os raios de sol espavoridos. A cabeça do Marquês rola, separada do tronco.


Dobram sinos a finados. Por cada cabeça solta, no patíbulo, se junta o tronco recolhido na tumba.


Os sinos continuam: dobram, arrepiantes. Um horror. Encomenda-se as almas.


De repente, faz-se silêncio. O moço Duque de Caminha, em trajo da corte, avança, sereno, para o carrasco. A turba até ali rugidora e impiedosa, completamente silenciada. O povo sente. O povo adivinha onde a justiça falha. Os corações batem mais apressados. Os peitos respiram com interferências, e mais fundo. Pressente-se o drama.

Mais um inocente sacrificado à impassibilidade, à arrogância, à cólera do trono. Na presença do jovem Duque, o povo sofre, sufoca ante a injustiça da sentença. Todos esperavam a desejada absolvição. Mas não. Em vez disso, vêem, amargurados, presos do remorso e da ansiedade, o Duque ajoelhar, mãos ligadas, oferecendo o alvo pescoço ao golpe do carrasco. Fecham-se os olhos. Esperando-se o momento crucial, sem se respirar. O impacto do cutelo. Os sinos dobram. Dobram. Dobram. Choram. Estridentes. Patéticos. Angustiados. Ninguém compreende a sentença, a crueldade, a injustiça sobre uma alma nobre e sem pecado.


A todos colhe, sem se saber porquê, sem se compreender, uma dor surda, terrível, como um pavoroso remorso vindo do espaço, apertando os corações, deixando os peitos sem ar. É a enorme dor saída em grito, sensibilizando o infinito, do tão moço e sofredor coração da linda Duquesinha, recente noiva e logo viuvinha pelo trágico quão iníquo martírio do marido jovem, inocente, flor ainda em botão a abrir às belezas da vida, drasticamente cerceado. O coração da Duquesinha, cheio de tanto amor para oferecer, abriu ao vento, espalhou a dor.


A Duquesinha e a sogra, saem para Leiria. No dia seguinte para a praia Moer. Ela, a criança linda e viuvinha, num nunca esperado e doloroso martírio da tragédia, com os olhos perdidos, estagnada no sofrimento. Somente, somente a saudade aceitava como pretexto a simples refrigério.


Fora ali, naquela praia, que a flor mais bela e mais perfumada se lhe abriu no peito, ávido de amor e doçura, esperando colher a Primavera da vida, mas que o acto impensado e tresloucado dum pai fez soçobrar, drasticamente. Agora, só ali, junto da praia e da penedia que ele adorava e onde passaram os mais belos momentos, saudosamente o poderia recordar. Era só ali que o poderia recordar, onde ele lhe dera a sublime ventura de aprender a amá-lo. Era ali que melhor poderia reconstituir, mentalmente, a sua figura varonil, o rosto correcto, os olhos em que ela se mirava, os lábios ardentes que a beijaram. Então, tomou uma resolução: - enquanto vivesse e enquanto pudesse dispor daquela casa, daquele ninho de amor, iria, quando o tempo permitisse, gozar em saudade, a lembrança, agora amarga, mas antes doce, das tardes passadas com o seu Amor, sobre o pequeno promontório aberto ao mar e ao céu.


Quando o tempo deixava, mandava aparelhar dois cavalos e ia, mais a sua aia preferida, matar as saudades sobre aquele sítio ermo e maravilhoso.


Tal como o Duque fazia, tirava a manta da cela e estirava-a sobre a rocha, aqui e ali, coberta de fina verdura.


Miríades de folículos de espuma, esvoaçando, caíam sobre ela. Sob o espaço azul, gaivotas caprichosas, crocitavam. Até o longe se encostar ao horizonte, o mar, recebendo o céu. Em volta, quase junto dela, maciços de flores, rosa-pálido, com um aroma vago e selvagem. Era daquelas flores que ele colhia e que, num raminho, lhas oferecia, cheio de candura.


Levantou-se. Colheu algumas daquelas flores estranhamente belas; pensou um instante e, com um novo clarão nos olhos e um leve sorriso triste, deu-lhe o nome de Saudades.


A Tarde estava no fim. O sol avermelhava. As nuvens, esfumadas, ganhavam, lentamente, uma tonalidade sanguínea. As gaivotas continuavam a sua dança suave, crocitando de quanto em vez mais gritante. Ermo absoluto. Um silêncio onde mal se ouvia a respiração do mar. Saudade. Só saudade naquele peito ferido de frágil viuvinha amando o que jamais volta, mas que a lembrança, a todo o custo, tenta ter presente.


A Duquesinha levantou-se. Dobrou a manta e colocou-a na cela. Depois, por momentos, estática, virada ao horizonte, murmurou, enquanto as lágrimas rolavam daqueles belos olhos magoados:


- Meu querido marido e Duque de Caminha!... Em recordação aos momentos mais belos da minha vida, que será sempre e somente tua, este penedo ficará a chamar-se: Penedo da Saudade!


E assim, duma terrível tragédia e duma amarga-e-doce saudade, nasceu uma história quão triste, quão linda, que nos doou o nome do mais belo penedo da costa de Moer (Moel).

 

Fonte: www.cm-mgrande.pt

Percurso interpretativo de Lendas da Marinha Grande

Nesta página apresentamos a versão completa de algumas das lendas mais conhecidas da história da Marinha Grande e das suas praias, integrantes do Percurso Interpretativo das Lendas, inaugurado no dia 27 de setembro de 2019, ao longo do percurso da ciclovia de São Pedro de Moel. Acompanhe-nos enquanto lhe mostramos os excertos completos dos livros de José Martins Saraiva, onde as lendas são descritas pormenorizadamente.

 

Foto: Autoridade Marítima Nacional - https://www.amn.pt/DF/Paginas/FarolPenedoSaudade.aspx