Janeiras de Vitorino Nemésio
Janeiras
Ó de casa, alta nobreza
Mandai-nos abrir a porta,
Ponde a toalha na mesa
Com caldo quente da horta!
Tendi, ferrinhos de prata,
Ao toque desta sanfona!
Trazemos ovos de pata
Fresquinhos, prà vossa dona.
Senhora dona da casa,
À ilharga do seu Joaquim,
Vermelha como uma brasa
E alva com um jasmim!
Vimos honrar a Jesus
Numas palhinhas deitado:
O candeio está sem luz
Numa arribana de gado.
Mas uma estrela dianteira
Arde no céu, que regala!
A palha ficou trigueira,
Os pastorinhos sem fala.
Dá-lhe calorzinho a vaca,
O carvoeiro uma murra,
A velha o que trás na saca,
Seus olhos mansos a burra.
Já as janeiras vieram
Os reis estão a chegar,
Os anos amadureceram:
Estamos para durar!
Já lá vem Dom Melchior
Sentado no seu camelo
Cantar as loas de cor
Ao cair do caramelo.
Ó incenso, mirra e oiro,
Que cheirais e luzis tanto,
Não valeis aquele tesoiro
Do nosso Menino santo!
Abride a porta ao pregrino,
Que vem de mum longe à neve,
De ver nascer o Menino
Nas palhinhas do preseve.
Acabou-se esta cantiga,
Vamos agora à chacota:
Já enchemos a barroga
Sigamos nossa derrota!
Rico vinho, santa broa
Calça o fraco, veste os nus!
Voltaremos a Lisboa
Pró ano, querendo Jesus.
Publicado em Festa Redonda (1950).
Transcrito de Vitorino Nemésio, Obras Completas, vol I – Poesia, INCM, Lisboa, 1989.
Fonte: Viciodapoesia.com
Foto: https://www.guiadacidade.pt