Vila Nova do Ceira, Góis, Coimbra @ Lendas de Portugal - A lenda da Nossa Senhora da Candosa/do Cerro da Candosa
A lenda da Nossa Senhora da Candosa/do Cerro da Candosa
Dizem as pessoas mais velhas que os seus avós contavam uma história, muito engraçada, que tinham ouvido contar também aos seus bisavós, sobre o Serro da Candosa.
No tempo em que os mouros andavam por estas terras, vivia nas Várzeas um mouro convertido ao Cristianismo. Caçava, pescava, apanhava e guardava castanhas para o ano todo, pois havia muitos castanheiros. Amanhava as terras e explorava ouro nos rios Ceira e Sotam.
A sua vida de abundância e tranquilidade atraiu a inveja de outros mouros, não convertidos, que procuraram por todas as formas apoderar-se destas terras.
Como não o conseguiram pelas lutas com armas e armadilhas que lhe fizeram, pois Alguém o protegia, tomaram a decisão de o afogar, alagando toda esta bacia, que noutros tempos já tinha sido a lagoa de Sacões. Para isso mobilizaram toda a mourama das terras situadas até 20 léguas ao redor.
Desde o amanhecer até ao pôr do sol trabalhavam sem parar, para tapar o rio no buraco do Cabril. Arrastaram pedras do rio utilizando muitas juntas de bois a puxar zorras. Com sarilhos, foram amontoando essas pedras em paredes de enorme grossura na base, que ia diminuído com a altura. As águas foram desviadas para a encosta mais sólida e enorme pedras deixadas de lado para as tapar, quando a muralha tivesse já atingido boa altura. Enquanto os homens trabalhavam, a fazer paredes, mais de uma centena de mulheres e crianças acarretavam cestas de terra dos montes vizinhos para taparem bem as frestas das paredes.
O mouro que orientava as obras ria de contente, pois o trabalho estava a render e ia já quase em meio da muralha que era necessário fazer para conseguir o seu pérfido intento, e o mouro cristão não se apercebera de nada.
Era sexta-feira e no dia seguinte não se trabalhava. Mais duas semanas e o rio estaria fechado. Cada mouro foi descansar a suas casas e apanhar alimentos para voltar ao trabalho no dia seguinte.
Manhã cedo o mouro chefe chegou para dirigir as obras… mas no local não havia parede alguma… As pedras estavam espalhadas pelo rio abaixo. A terra tinha sido levada pela corrente do rio…
Como explicar tal coisa? Não chovera… o rio levava pouca água, pois era verão!
Nada… nada… podia explicar tal acontecimento.
O mouro ficou admirado e atónito, verificava pedra a pedra, a ver se encontrava sinais de ter sido empregue força. Em vão. No local parecia que nenhuma parede fora construída…
A mourama foi chegando e todos ficaram apalermados com o que viam… A admiração transformou-se em raiva!
O mouro não era de desistir. Todos ao trabalho agora com mais cuidado. Os alicerces mais fundos, as pedras mais travadas, o cascalho e a terra mais batidas de modo a tornar a muralha mais sólida.
Trabalhou-se com mais afã e mais entusiasmo durante cerca de um mês. Estava uma obra perfeita, pensava o mouro. Desta vez não há quem seja capaz de a destruir…
Noite dentro, quando todos dormiam, o mouro teve um sonho. Acordou estremunhado e foi ver. Era verdade… A muralha tinha desaparecido…
Irritado, chamou os guardas, que tinha colocado à distância, para ver quem tinha destruído aquela obra.
Foi-lhe respondido que ninguém por ali tinha passado, nem de dia, nem de noite. Obrigou-os a jurar, por Alá, que diziam a verdade, mas prendeu os mais responsáveis por não estarem atentos e terem evitado tal destruição.
A obra tinha de ser feita e foi recomeçada com mais ardor, recrutou mais gente e reforçou ainda mais a construção, e a muralha foi subindo… subindo… até estar a atingir o ponto mais alto.
-Amanhã vamos tapar o rio para encher a lagoa, disse…
Mas de noite teve um sonho. Viu uma Senhora, num burrinho, em cima da muralha, com um capuz na cabeça. Conforme o burrinho ia andando, as pedras desapareciam e a muralha desmoronava-se.
Acordou sobressaltado e correu para o alto da muralha. Lá estava a Senhora que vira no sonho. Em cima do burrico, estendia as mãos e as pedras iam caindo e desapareciam no fundo vale.
Correu para a Senhora mas não conseguiu. Seus pés não se podiam mexer e seus braços não conseguiam apanhar a Senhora. Esforçou-se em vão… a muralha tinha desaparecido e o rio Ceira deslizava pachorrentamente no seu leito.
Ainda viu a Senhora a retirar-se lentamente mas não foi capaz de a alcançar.
Seguiu os caminhos por onde passara o burrinho cujas patas ficaram gravadas nas pedras, e que ainda hoje se podem ver,… mas não pôde alcançar a Senhora.
Procurou os vigilantes que, assustados, lhe gritaram que uma Senhora muito linda e resplandecente havia libertado os que estavam detidos e que se fora embora no seu burrinho.
Nem assim a mouro desistiu. Começou a obra de novo e reforçou a vigilância. Trabalhava-se a construir até ao anoitecer. Pela noite dentro vinha a Maria do Capucho, no seu burrico, e destruía tudo.
Assim aconteceu durante algum tempo até que o mouro compreendeu que era o Poder Divino que protegia o outro cristão e que Maria era a Mensageira divina a impedir a sua maldade.
Foi ter com o mouro que habitava nas terras e disse-lhe:
-Tudo fiz para te destruir… mas Deus protege-te e manda uma Senhora estragar a barragem que queria fazer para te afogar. Façamos a paz e ensina-me a amar o teu Deus.
Abraçaram-se como irmãos e resolveram perpetuar aquela aliança, construindo uma capela no alto do cerro sobre a invocação da Senhora da Candosa.
E foi assim que estas Várzeas escaparam de voltar a ser lagoa e se tornaram as terras abençoadas que agora são e onde vive uma gente feliz.
Ainda hoje nas horas de aflição, o povo desta região acorre ao Serro da Candosa e se prosta aos pés de Nossa senhora a pedir a sua protecção.
A palavra candosa pode ser derivada de cadeia, Senhora reluzente, Senhora das Candeias, dia 2 de Fevereiro, ou pode vir de candil que significa pedra, tal como cantareira e cantaria.
Matos Cruz (1996)
Créditos:
Fonte: https://www.freguesiadevilanovadoceira.pt/lendas-e-tradicoes
Fotos: https://www.freguesiadevilanovadoceira.pt/ver_multimedia/1