Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

As coisas de que eu gosto! e as outras...

Bem-vind' ao meu espaço! Sou uma colectora de momentos e saberes.

As coisas de que eu gosto! e as outras...

17.10.21

Peniche @ Lendas de Portugal - Lenda da Gruta de Peniche

Miluem

Fortaleza-de-Peniche-2.jpg

Lenda da Gruta de Peniche

 

Entre as antigas histórias de amor não são raras aquelas em que os enamorados pertencem a famílias separadas pelo ódio.

Daí provém a tragédia que envolvia as suas vidas, num tempo em que os ditames do coração não faziam lei.

A lenda que vamos contar é conhecida em muitos países da Europa.

Em Espanha contam-na com o título de «Passos de D. Leonor».

Em França chamam-lhe «Os enamorados que o mar uniu».

Na Escócia, onde abundam as lendas, chamam-lhe «Lenda de um amor de Peniche».

Em todas elas se encontra a perseverança de dois enamorados que o amor atraiu mas só a morte juntou.

Cabo Carvoeiro 25.jpg

Antigamente, quando Peniche era uma ilha, viveram ali duas famílias poderosas que sempre se digladiavam em poderio e ambição. Eram elas a família do Outeiro e a família da Praça.

Um dia, o jovem Rodrigo, pertencente à família da Praça, envolveu-se em desordem com os da Casa do Outeiro e, sem saber como, viu-se dentro dos muros da casa inimiga.

De súbito, no mais renhido da luta, divisou um rosto de beleza angelical. A distracção ter-lhe-ia custado a vida se não fosse o grito da jovem Leonor que, num impulso superior a si própria, advertiu o jovem Rodrigo do perigo que corria.

A luta prosseguiu e, depois de alguns ferimentos de parte a parte, Rodrigo e a sua comitiva desceram à Praça. Todavia, não mais o jovem esqueceu Leonor, nem Leonor conseguiu olvidar a figura elegante e o olhar profundo do jovem D. Rodrigo.

Poucos dias depois, estava Leonor contemplando o mar quando ouviu chamar baixinho pelo seu nome:

— Leonor...

Sobressaltou-se. Debruçou-se na varanda e viu sobre as rochas, numa posição destemida, o jovem D. Rodrigo. Leonor preveniu, aflita:

— Senhor! Podeis precipitar-vos no oceano!...

Ele respondeu cavalheirescamente:

— Se essa ideia fizer bater de receio por mim o vosso coração, darei feliz a minha vida!

Leonor sorriu.

— D. Rodrigo, não deveis expor a vida assim!

— Precisava falar-vos. E pensei que, vindo por este lado, ninguém nos incomodaria.

— Tomai cuidado! Estais só. E se os meus vos descobrem...

— Fostes vós quem eu descobri primeiro! E logo o meu coração pulsou mais forte!

— Muito me agrada ver-vos, mas não deveis ser tão audacioso. Bem sabeis que um amor entre nós está de antemão condenado!

— Talvez ele seja tão forte que mate o ódio que separa as nossas famílias!

Ela suspirou:

— D. Rodrigo! Sabeis tão bem como eu que é impossível voltar a ver-me!

O jovem teimou:

— Havemos de vencer! Voltarei amanhã aqui, ao pôr do Sol!

— Cuidado, o trajecto é arriscado! Não quero que vos aconteça nenhum mal!

— Graças, Leonor! Se soubésseis como me sinto feliz! E levei eu tanto tempo sem saber que a Leonor de quem ouvia falar era um anjo como outro igual não vi!

Formações-rochosos-Peniche (1).jpg

 

Ela sorriu enleada. Olhou as vagas que rugiam ameaçadoras de encontro às rochas e se desfaziam em espuma. Depois teve um arrepio de medo e murmurou:

— Ide! Voltai, mas com prudência! Se não fosse o recear por vós... seria tão feliz!

O impetuoso D. Rodrigo atirou-lhe um beijo. Depois, começou a descer lentamente pela rocha escarpada.

Estas entrevistas de amor foram-se repetindo, cada vez com maior entusiasmo. Rodrigo e Leonor trocaram juras de fidelidade que nem a morte poderia romper. Mas, um dia, o velho senhor do Outeiro, informado dos amores de sua filha, correu à varanda para a surpreender. Vendo-a, gritou-lhe:

— Não esperes quem não te merece!

Leonor assustou-se.

— Senhor meu pai!... Na verdade... Rodrigo demora...

E numa expressão dolorosa:

— Fizeram-lhe algum mal?

Vendo-a tão aflita, o pai ficou desorientado.

— O quê? Tanto significa para ti esse homem?

Leonor rojou-se-lhe aos pés, confessando:

— Senhor... amo Rodrigo irremediavelmente!

O pai gritou-lhe, colérico:

— Assim ultrajas o nome da nossa família!

Entre soluços, a donzela exclamou:

— Como esta gente se odeia! E nós que tanto gostamos um do outro!

Levantou-se, rosto molhado pelas lágrimas, suplicando:

— Dizei-me, senhor meu pai: que fizeram de Rodrigo que não apareceu hoje?

O pai sossegou-a:

— Nada... porque a minha gente não o encontrou. Mas consta-me que os outros também foram informados da vossa traição. E o pai dele é mais cruel do que eu, que te amo bastante!

Sentindo um ponto fraco, Leonor tentou demovê-lo.

— Senhor, tende compaixão de nós, que somos jovens e amamos a vida! Esse ódio é feito de um passado que já vai longe. Ajudai-nos, senhor meu pai!

O senhor do Outeiro meneou a cabeça.

— Filha, esquece esse homem! Mesmo que eu vos deixasse partir, os outros nunca o consentiriam! Lembra-te das minhas palavras.

— Rodrigo é homem e valente!

— Mas deve obediência a seu pai. Obrigá-lo-ão a esquecer-te.

— Nunca! Jurámos amar-nos mesmo para além da morte!

— Pois que se amem, mas que se não vejam!

— Juramos romper com tudo quanto tentasse separar-nos!

— Que dizeis, Leonor?

— O que acabastes de ouvir, senhor meu pai!

— Isso é verdade?

— Acreditai que sim.

— Muito expedita vos encontro, Leonor, desde que falais com esse homem! Pois, embora muito me pese, de hoje em diante ficarás encerrada na torre até te sentires curada! E que Deus nos proteja!

A partir desse dia, Leonor ficou encerrada na torre mais alta da Casa do Outeiro. Era chamada a Torre das Pombas, porque servia de ninho às pombas das redondezas. A prisioneira chorava mais por não saber de Rodrigo do que por estar isolada do mundo. Ora, D. Rodrigo não aparecera nessa tarde porque antes de iniciar o passeio costumado o pai lhe ordenara que fosse falar-lhe. Mal viu o filho, o senhor da Casa da Praça vociferou:

— Infame! És indigno de usar o meu nome!

Rodrigo compreendeu logo a causa de tamanha excitação. E tentou ganhar tempo, lembrando:

— Senhor, estais a ser precipitado no vosso julgamento.

O velho fidalgo ainda mais se exasperou:

— Pois ousas falar-me assim? Achas pouco andar de amores com uma mulher do Outeiro?

Tão sereno quanto possível, Rodrigo retorquiu:

— A mulher a que aludis é a jovem D. Leonor, rosto e alma de anjo, vítima como eu de um ódio insensato!

— Que dizeis? Falas em insensatez, tu que namoricas a filha do algoz de muitos dos teus amigos e parentes?

— E de quantos amigos e parentes de Leonor sois o algoz?...

Um berro cortou a palavra a D. Rodrigo:

— Ingrato! Como ousas falar-me assim?

— Fortalecido pelo amor de Leonor!

— Pois esquece-a, se queres ter liberdade!

— Não mais a poderei esquecer! Amo-a para a vida e para além da morte!

— Pois será como se tivesses morrido!

E chamando, colérico:

— D. Rui!

Um homem que Rodrigo bem conhecia e exercia como que o cargo de chefe da polícia entre os da Praça, surgiu por detrás de um reposteiro. Já ali devia estar desde o início do azedo diálogo.

— Senhor, que ordenais?

O senhor da Praça perguntou:

— Está tudo pronto?

— Tudo, senhor.

— Pois levem-no!

A um gesto de D. Rui, mais dois homens se acercaram de D. Rodrigo. Perplexo, o jovem perguntou:

— Para onde me levais?

Foi o pai quem respondeu:

— Já que não cedeis à razão, tereis de ceder pela força. Decidi que sejas encerrado imediatamente no mosteiro da Berlenga.

E num tom mais brusco ainda:

— Desarmem-no e levem-no! Porque esperam?

Sentindo-se desarmado, D. Rodrigo exclamou:

— Senhor! Que ao arrancar-me a espada não me leveis também a honra! Porque a vida, separando-me de Leonor, vós ma tirais!

E dando costas deixou-se conduzir sem aparente revolta.

 

Tal como Romeu e Julieta, em face da tirania paterna os dois jovens sentiram aumentar o amor que os dominava.

 

As pombas que faziam ninho na torre do Outeiro começaram a servir de mensageiras. E um dia Rodrigo soube que a sua amada teria facilidade em falar-lhe nessa noite, numa gruta que ficava junto à torre, por intermédio de uma aia compadecida do seu sofrimento. Rodrigo arranjou também maneira de sair do mosteiro, altas horas, com a ajuda de um barqueiro a quem pagava bem para ir falar a Leonor.

O encontro entre os dois enamorados foi emocionante. Ficaram enlaçados minutos seguidos, sem nada poder dizer. Depois, começaram a fazer planos para o futuro. Todavia, Leonor recomendou prudência. Melhor seria encontrarem-se assim durante algum tempo, enquanto os ânimos serenavam. Tentariam, a bem, resolver a situação.

800px-Gruta_da_Furninha_-_Peniche_-_Portugal_(50649207678).jpg

Na noite seguinte, Rodrigo esperava impaciente na gruta. Leonor tardava. Alteou a pequena fogueira que marcava o local para onde Leonor se deveria dirigir. Ele sofrera torturas para atravessar o mar revolto numa pequena embarcação. Ela teria de saltitar de rocha em rocha no negrume da noite e exposta ao vento. Ambos arriscavam a vida para se encontrarem por duas ou três horas.

O mar rugia ameaçador. O vento uivava, lúgubre. A noite era escura. As labaredas da fogueira dançavam macabramente. Às vezes pareciam mesmo extinguir-se. De súbito, Rodrigo ouviu vozes. E uma delas chegou mais alta, trazida pelo vento. Era a do senhor do Outeiro.

— Leonor! Leonor, vem cá! Para onde vais?

Num lamento, a voz da sua amada soou já próximo da gruta:

— Adeus, meu pai! Fui descoberta, Rodrigo. Foge, porque virão para matar-te! Apaga a fogueira, Rodrigo!

Rodrigo tentou localizar Leonor. Viu-a então, envolta num manto branco, saltitando de rocha em rocha. Perseguiam-na. De repente ouviu-se um grito. Leonor escorregou e caiu nas águas inquietas que a tragaram, como esfomeadas.

Rodrigo levou as mãos à cabeça. Gritou, desesperado:

— Leonor! Minha Leonor!

Só o vento, o mar e o vozear excitado dos que perseguiam a donzela fizeram coro na resposta. Então, alucinado, Rodrigo gritou ainda:

— Espera por mim, Leonor! Espera por mim, porque vou ter contigo! Foi isso o que jurámos! Unidos na vida e na morte!

E perante o olhar espantado do barqueiro e dos que já estavam perto, Rodrigo atirou-se ao mar, que o levou num remoinho...

IMG_20190728_190539.jpg

Dias depois, o mesmo mar devolvia os cadáveres dos dois amantes. E ainda hoje, em Peniche, existem o «Painel das Pombas», os «Passos de D. Leonor» e a «Gruta de D. Rodrigo», a atestar a evocação de um amor que nem a morte nem o tempo conseguiram destruir.

 

Source: MARQUES, Gentil Lendas de Portugal Lisbon, Círculo de Leitores, 1997 [1962] , p.Volume V, pp. 201-205Place of collection PENICHE, LEIRIA Narrative - When - Belief: Unsure / Uncommitted - Classifications

 

Fonte: Centro de Estudos Ataíde OliveiraL / Lendarium.org

Fotos:

https://www.berlengas.org/visitar-peniche-portugal/

https://portugalfotografiaaerea.blogspot.com/2018/06/cabo-carvoeiro-e-peninsula-de-peniche.html?m=1

https://commons.m.wikimedia.org/wiki/File:Gruta_da_Furninha_-_Peniche_-_Portugal_(50649207678).jpg

https://amantesdeviagens.com/conhecer-portugal/mini-escapadelas/peninsula-de-peniche-cidade-mais-ocidental-da-europa-continental/

https://bussola-pt.com/32265/praia-carreiro-de-joanes-peniche